Entrevista: Agressividade, uso de drogas e adição em internet

Vinícius Sanfelice
8 min readMay 18, 2021

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Dra. Rosa Maria Martins de Almeida — Foto: Arquivo Pessoal.

Rosa Maria Martins de Almeida é graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), possui doutorado em Fisiologia pela mesma universidade e pós doutorado na área de Neuropsicofarmacologia pela Tufts University em Boston. Estuda o comportamento em animais e humanos, com foco na agressividade e violência, impulsividade, controle inibitório, estresse e uso de drogas. Além disso, está realizando estudos sobre vício em internet, e também a influência do isolamento social na infância e adolescência e a relação com a agressividade.

Por Vinícius Sanfelice

Como funciona o controle da raiva? E por que algumas pessoas conseguem controlar melhor que outras?

Nós temos algumas hipóteses. Na parte da frente do cérebro humano, há uma região chamada pré-frontal e nela há um local bem importante denominado ventro-orbital, responsável pelo controle dos impulsos. É possível que as pessoas que têm mais raiva e expressam em maior quantidade a agressividade e comportamento violento tenham alguma alteração nessa região.

Entretanto, também pode ser uma alteração neoquímica, alguns neurotransmissores estão envolvidos com a agressividade e talvez eles não estejam nas taxas adequadas. É uma emoção que a gente sente, a raiva é comum, alguns sentem e se controlam, mas outros partem para a agressão. Tem muito mais do que isso, o sistema é muito complexo. E, nos nossos experimentos nós geramos frustrações nas cobaias para estudá-las.

Como que funciona o processo de incentivar a expressão da raiva nas pessoas dentro dos estudos?

Nós temos um computador que tem uma tarefa comportamental, uma espécie de jogo manipulado em que a pessoa pode perder ou empatar (sem ela saber da manipulação), assim, ela fica frustrada e acaba gerando raiva. A frustração é gatilho para uso de drogas, para gerar agressividade e violência. Então, nós comparamos os grupos dos indivíduos que perdem e o dos que empatam, medindo o hormônio cortisol e testosterona antes e depois da tarefa.

O primeiro está ligado ao estresse e o segundo está relacionado com a agressividade. Nesse jogo, ocasionalmente, nós fazemos os indivíduos testados acharem que estão jogando contra um oponente e não contra a máquina, pois aumenta um pouco mais esses níveis de hormônio. Pode acontecer de algumas pessoas se controlarem mais por conta da desejabilidade social, ou seja, como elas estão num teste, elas se controlam mais.

Através de um estudo onde as pessoas tinham que encher os balões, controlando para não estourar, nós vimos que os homens são mais impulsivos que as mulheres. Em outro experimento, nós testamos animais que estavam acostumados a ingerir álcool, e tiramos a substância deles, o que causou agressividade.

Essa violência no animal é caracterizada por curta latência e ataques muito frequentes. Outro estímulo que funciona nessas cobaias é solução açucarada, eles adoram leite condensado. Ficam loucos depois que aprendem a gostar daquilo ali, e não soltam mais.

Quais fatores podem contribuir para que uma pessoa fique mais agressiva?

São vários. Principalmente, o ambiente. Pois, um ambiente muito hostil, onde a pessoa é rechaçada e oprimida, desencadeia muita agressividade. Algumas pessoas expressam essa raiva e outras acabam internalizando.

Nós medimos o estado e o traço do indivíduo. O primeiro refere-se ao momento e o segundo diz respeito a personalidade e se a pessoa já possui alguma tendência à agressividade. Mas, outros aspectos que contribuem são o uso de medicações, uso de drogas, e até questão hormonal, por exemplo a alteração nos hormônios da tireoide pode deixar a pessoa mais irritada e mais sensível. Mas o ambiente tem um peso muito grande.

Há pessoas que nascem mais predispostas a agressividade que outras?

É possível haver uma alteração no sistema nervoso central da pessoa, mas pela genética não dá para dizer se ela será mais hostil. Pode acontecer de faltar substâncias no funcionamento do corpo humano. Por exemplo, teve um experimento de um pesquisador mostrando que populações que não comiam peixe eram muito mais agressivas do que as que consumiam, então a deficiência nutricional pode influenciar na agressividade também.

Em relação a alteração no sistema nervoso central, há o caso do Phineas Gage. Ele era um operário que trabalhava em ferrovias no estado de Vermont no Estados Unidos, onde um dia ele foi explodir rochas com dinamites e aconteceu um acidente. Uma barra de ferro atingiu seu rosto e atravessou a cabeça, atingindo seu córtex pré-frontal. A partir disso, seu comportamento mudou completamente, era uma pessoa toda certinha, dedicada ao trabalho e ficou irritado, agressivo, inconveniente. Dessa maneira, um trauma no cérebro pode alterar o comportamento.

O isolamento social pode contribuir para essa agressividade?

Sim. Nós estamos pesquisando se as pessoas, após o isolamento, preferem o contato social ou o uso de drogas. Porque depois do indivíduo ficar isolado, para compensar, ele pode querer usar droga para ter uma sensação de prazer momentânea e acabar se afundando.

Então, droga não é a solução, agora na pandemia nós sabemos que elevou muito o consumo de álcool e outras drogas e também aumentou a violência. O isolamento não é bom, porque somos seres sociais, os camundongos dos experimentos também são, logo se tirar isso deles, a agressividade e impulsividade deles altera bastante.

Como funciona o experimento com animais? Como é feito o isolamento deles?

Depois da fase de desmame, os camundongos ficam separados da mãe por pelo menos duas semanas. Aí são criados dois grupos, os que ficam em conjunto com outros animais e os que ficam separados individualmente. Também há a separação entre macho e fêmea. Assim, nós estudamos a ansiedade, interação social, a preferência por droga ou parceiro após o isolamento.

No final, nós observamos os cérebros deles para ver se houve modificação nos receptores de ocitocina, que é uma substância muito importante para o contato social, mas também é significativo no desenvolvimento do bebê, pois faz o desenvolvimento do córtex cerebral. A falta da ocitocina, que é estimulada através do contato físico, pode gerar danos cognitivos, comportamentais e emocionais na pessoa.

Portanto, esse contato físico é muito importante para os animais e bebês humanos porque desenvolve o encéfalo. Além disso, a substância induz o nascimento do feto durante o parto e também auxilia na ejeção do leite da mãe.

Como funciona a relação de hierarquia em animais? O que define um ser hierarquicamente superior a outro?

Nos camundongos, em experimentos com três machos e duas fêmeas, sempre terá um que será o macho alfa dominante, que come primeiro, copula antes e só depois os outros machos poderão fazer algo. Geralmente, o animal superior na hierarquia tem mais testosterona e é mais agressivo que os demais.

Nós temos um modelo de experimento chamado social defeat (derrota social), onde há a convivência entre o chefão e o animal submisso. É perceptível que o primeiro causa um grande estresse ao segundo, alterando todo o funcionamento cerebral e hormonal do animal. Se o superior for retirado e o subordinado se tornar o chefe, esse funcionamento é modificado novamente. Algo interessante nesses estudos, é que os animais que ficaram por mais tempo nas posições de dominância, mais agressivo eles se tornavam.

Como que as drogas podem contribuir para a agressividade de uma pessoa?

As drogas podem interagir com o GABA, que é um sistema inibitório, fazendo a desinibição do comportamento. Por exemplo, o álcool primeiro excita e depois deprime em doses pequenas ou médias. Em doses cavalares, a pessoa apaga, visto que o álcool é altamente sedativo em grandes quantidades.

Com o crack e cocaína tem a questão de agressividade pela busca da droga. É diferente o paciente que só usa álcool daquele que usa crack e cocaína. Em 2010, eu estudei o inicio de consumo de álcool e outras drogas no sul do país. Nessa região, a média de idade no consumo é a partir dos 11 anos, enquanto que no resto do país é por volta dos 13 e 14 anos. Isso tem uma questão cultural envolvida, pois as pessoas são incentivadas a consumir álcool mais cedo no sul do Brasil.

O que é o controle inibitório?

É o controle dos impulsos. Exemplificando, às vezes, eu tenho vontade de bater em alguém, mas eu não bato, porque eu tenho a região pré-frontal do cérebro que me permite viver em sociedade. O ser humano tem a capacidade de conseguir o que quer sem ser agressivo, mas há pessoas que desejam algo imediatamente e utilizam a violência para isso.

Como funciona o vício em internet, e de que maneira o uso excessivo pode prejudicar a pessoa?

Eu estou orientando uma dissertação de mestrado de uma aluna que está estudando essa dependência com cerca de 50 adolescentes entre 15 e 17 anos. O que caracteriza adição é o tempo de uso e para que finalidade a internet está sendo utilizada, porque eu por exemplo fico muito tempo no computador, mas é por conta do trabalho. Na pesquisa, nós encontramos pessoas que gastavam muito tempo com diversas outras atividades.

A adição pode alterar o teu sistema. É possível ficar mais impulsivo e mais agressivo. Na investigação, foram encontradas diferenças nessas características de quem possuía o vício, e também foi visto que os homens tendem a ter maior dependência do que as mulheres. Quando o uso excessivo começa a prejudicar muito a vida do indivíduo e ele não consegue fazer outras coisas, aí começa a se tornar algo patológico.

Quais as medidas para prevenir e combater a adição em internet?

Certos tratamentos ajudam a reverter esse quadro. É preciso ver se o vício está ligado a fatores como ansiedade e depressão, porque daí é necessário tratar com psiquiatra. Na psicologia, é possível tentar fazer com que o individuo reduza suas horas de uso através de programas e terapias.

A impulsividade pode ser benéfica de alguma maneira?

Não. A impulsividade é falta de controle. Fazer as coisas muito rápido, sem avaliar as consequências dos atos não é algo bom. O contrário seria o individuo ficar com uma espécie de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), onde ele não consegue executar uma ação. Mas a impulsividade não traz vantagens para o indivíduo.

A falta de tomada de decisão também pode ser ruim, e é algo que depende de um conjunto de fatores, como a memória, aprendizado e emoção. Porque, às vezes, a pessoa precisa tomar uma decisão muito rápida, mas se fizer a escolha errada pode se tornar algo prejudicial.

Por exemplo, num assalto, o certo é não reagir, mas há pessoas que agem por impulsividade. Também há reações extremas contrárias, como o assaltante mandar que o indivíduo saia do carro e ele congelar. Nesse tipo de situação, se dá melhor quem tem um controle maior, mas esse controle pode não fazer parte do sujeito.

Para saber mais sobre o trabalho realizado por Rosa Maria Martins de Almeida:

Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do;jsessionid=DA22C11C8D6B1E8953D0403E6AB3CCC0.buscatextual_0

Laboratório de Psicologia Experimental, Neurociências e Comportamento (LPNeC) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS): http://www.ufrgs.br/lpnec

Podcast com a participação da Dra. Rosa: https://youtu.be/8UTMuWEIePY

Entrevista realizada para a disciplina de Jornalismo Científico e Cultural do curso de jornalismo da UniRitter campus FAPA: Supervisão: Prof. Cristiane De Luca.

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