Brique da Redenção à espera de investimento

Vinícius Sanfelice
7 min readNov 17, 2019

--

O Brique da Redenção acontece todos os domingos na Avenida José Bonifácio em Porto Alegre (RS)— Foto: Vinícius Sanfelice

Um dos cartões postais da capital gaúcha está clamando por mais cuidados. Isso é o que dizem nessa reportagem expositores do Brique da Redenção, criado há mais de quatro décadas. A prefeitura garante que tudo está bem. Será mesmo?

Por Vinícius Sanfelice

Expositores do Brique da Redenção reclamam da falta de apoio da prefeitura. “O artesão não tem suporte nenhum, as barracas estão todas defasadas e eles falam que a responsabilidade é nossa”, reclama a artesã Eunice Madruga que trabalha desde 1985 fazendo bijuterias no Brique.

O Brique da Redenção é uma feira ao ar livre que funciona todos os domingos das 9h às 17h na Avenida José Bonifácio ao lado do Parque Farroupilha (Redenção) em Porto Alegre. O ponto turístico da cidade foi inaugurado em 1978 com o nome de ‘A Feira das Pulgas’, e inicialmente continha apenas 24 expositores. Desde 2005, o Brique é Patrimônio Cultural do Estado do Rio Grande do Sul. Segundo o site institucional do Brique da Redenção, há 300 expositores, 180 de artesanato, 40 artistas plásticos, 70 antiquários e 10 de gastronomia.

A feira é exclusivamente para expositores que produzem seus próprios produtos, e para trabalhar formalmente no Brique é necessário que o comerciante passe por uma triagem através de concurso público realizado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SMDE). O último processo seletivo ocorreu no dia 13 de junho de 2019, foram abertas 13 vagas para o setor de artesanato, e os critérios de avaliação consistiam em criatividade — no que diz respeito a criar coisas novas, ineditismo — referente a trabalhos que ainda não existiam no Brique e elaboração técnica — relativo ao domínio e ao acabamento do produto.

Além disso, o feirante deve possuir a carteira de artesão, e depois de começar a trabalhar deve seguir algumas regras, como estar presente no local 30 minutos antes do funcionamento do Brique, deixar o espaço de trabalho limpo e caso o expositor não possa comparecer, ele tem direito a ter apenas um auxiliar para substituí-lo.

Neiva dos Santos, expositora há sete anos na Avenida José Bonifácio, indigna-se com a prefeitura: “a gente sabe que em outros lugares há uma estrutura melhor, porque o vendedor tem um lugar fixo. Aqui cada um coloca sua barraca e não são padronizadas. Com exceção do lugar para comercializar, nós não temos apoio.”

Bijuterias comercializadas por Eunice Madruga no Brique da Redenção/ Neiva dos Santos vende imagens vazadas em disco de vinil no Brique desde 2012 — Fotos: Vinícius Sanfelice

Comerciantes informais

O Brique da Redenção é um importante ponto turístico de Porto Alegre, por onde passam de 30 a 35 mil pessoas em um domingo, conforme informações da Coordenação de Fomento de Atividades (CFA) da SMDE. Porém, há quem diga que a feira já foi mais valorizada, “o Brique perdeu um pouco sua força econômica e seu espírito, devido ao desdém dos gestores municipais nos últimos anos, a feira está sendo invadida por vendedores ilegais que estão desfigurando o Brique”, opina o vereador Adeli Sell, que também critica a ineficiência do Escritório do Turismo de Porto Alegre.

Comerciante irregular na Avenida José Bonifácio durante o Brique da Redenção — Foto: Vinícius Sanfelice

A expositora Eunice concorda com o vereador, e diz que em 1985 havia mais investimento no Brique e passavam ônibus de excursão com pessoas de vários países da América. Ela também fala da presença dos comerciantes informais, dizendo que eles não atrapalham nas vendas, porém prejudicam a imagem da feira, e acrescenta “eu acho um desrespeito com o artesão, quando eles vêm com os camelôs aqui, porque a secretaria exige de nós, aí de repente vem alguém na tua frente e começa a comercializar qualquer coisa.”

O artesão Jaime da Silva, vendedor há quatro anos no Brique da Redenção, sugere uma fiscalização mais rigorosa sobre esses comerciantes. Já Neiva dos Santos, apesar de afirmar que o comércio irregular no entorno do Parque da Redenção atrapalha os expositores, diz que é preciso ter empatia com os demais comerciantes: “essa questão do desemprego também é complicado para eles, a gente precisa se pôr no lugar do outro, alguns vêm de outro país e isso é difícil para eles. A gente procura humanizar e respeitar mas não significa que a gente aceite isso”.

Novos pontos de oferta

Mesmo com todas as reclamações, o chefe da CFA, Oscar Peliciolli, fala que a feira já está consolidada, e o principal objetivo da prefeitura é abrir novos pontos de oferta e trazer os ambulantes da ilegalidade para a regularidade. O funcionário da secretaria também salienta que o artesanato é muito importante para a feira, e se não fosse pelo setor o Brique não estaria firmado por mais de 30 anos.

“Essas feiras estão lá, porque mesmo passando dificuldades, a pessoa tira seu sustento dela”, frisa Peliciolli. Em sua opinião, ainda é preciso qualificar mais o espaço do Brique e oportunizar aos expositores a diversificação na produção.

Empreendimento artesão

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil há cerca de 10 milhões de brasileiros que vivem do artesanato, e de acordo com uma pesquisa feita pelo Clube de Artesanato em 2017 com 3.649 artesãos, 49% usa o artesanato para complementar a renda familiar. Esse é o caso do expositor Jaime, que vende entre 10 a 15 peças de produtos revestidos com barbante no Brique, o que gera um lucro de 500 a 600 reais por final de semana.

Contudo, o comerciante explica que sua renda principal vem da aposentadoria, além disso, Jaime optou por diversificar sua produção no Brique, pois antes trabalhava com feira afro artesanal para a valorização da mulher negra, “mas o mercado nesse ramo ainda é muito pequeno”. Em contrapartida, a artesã Eunice vive apenas de seus produtos feitos à mão, mas relata que não consegue fazer isso comercializando apenas no Brique, portanto precisa trabalhar em outras feiras também.

A pesquisa do Clube de Artesanato, também mostrou que apenas 620 entrevistados eram legalizados como microempreendedor individual (MEI), logo os demais trabalhavam na informalidade. Somado a isso, é importante entender a diferença entre empreendedorismo de oportunidade e de necessidade, o primeiro está relacionado a países desenvolvidos, onde o empreendedor possui um planejamento prévio e objetivo de lucrar com seu negócio. Enquanto o segundo está atrelado aos países em desenvolvimento, e geralmente, quem recorre a essa opção começa a empreender devido à falta de recursos e ao grande desemprego.

Conforme os dados da Pesquisa Global sobre Empreendedorismo (GEM) de 2016, 43% dos empreendedores são por necessidade no Brasil, o que representa um número bem grande comparado aos demais países. O estudo traz também a informação de que 62% dos empreendedores brasileiros possuem idade entre 18 a 44 anos, são iniciantes e com baixa escolaridade, o que influencia na alta mortalidade de novas empresas no Brasil, visto que 23,4% fecham suas portas antes de dois anos, segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), e 60% antes de completar cinco anos, de acordo com o IBGE.

Todavia, um dos problemas apontados como causa da desvalorização do Brique da Redenção pelo Vereador Adeli Sell é a ausência de propagação da feira. Ele também reclama da inexistência de um material da administração pública municipal para divulgar o Brique, como existia antigamente. Em relação a isso, a artesã Eunice aponta essa falta de divulgação como a maior dificuldade de trabalhar no Brique e pede mais investimento na cultura de forma geral.

Em 2016, foi lançado o Jornal do Brique da Redenção, um importante meio de comunicação e disseminação de informações da atração turística da Redenção, porém com apenas quatro edições publicadas, o jornal parou de ser veiculado em 2018. “É lastimável que não tenha condições para bancar esse jornal”, lamenta o vereador Adeli Sell, que também argumenta que o malcuidado com os banheiros em volta do Brique é uma das causas de pouca visitação do local.

Lateral de um dos banheiros presentes no Brique da Redenção / Ausência de lâmpada em um dos banheiros públicos do Brique — Fotos: Vinícius Sanfelice

O Brique da Redenção comporta trabalhadores que apesar dos obstáculos, seguem expondo seus produtos todos os domingos, além disso, milhares de pessoas passam por lá para adquirir produtos diferentes ou simplesmente passear. Logo, o espaço confere uma importante atração turística que ajuda economicamente tanto os comerciantes quanto a economia da cidade.

Reportagem realizada para a disciplina de Jornalismo Político e Econômico do curso de jornalismo da UniRitter campus FAPA: Supervisão: Prof. Roberto Villar Belmonte.

--

--